Mariana morava numa cidadizinha pequena. Sua família não tinha posses, mas nunca faltou comida na mesa. Sua maior alegria era quando pegava sua bicicleta roxa e saia para suas aventuras com sua turma de amigas. Como era bom encontrar uma baixada, acelerar, soltar as mãos do guidom da bicicleta e sentir a brisa da liberdade em seu rosto.
O gosto pelo perigo e pela aventura era forte e um belo dia decidiram explorar o que havia após o limite da fronteira da cidade. A excitação do inesperado era deliciosamente fascinante e ao mesmo tempo amedrontadora. Era a primeira vez que as meninas iriam para um lugar onde ninguém as vigiasse.
Depois de algum tempo de pedalada, pararam em um morro de onde avistavam a cidade toda e de onde nunca tinham ousada passar. Nesse instante houve um silêncio profundo e as amigas se olharam como se naquele momento firmassem um pacto de cumplicidade eterna. Tomaram impulso, pois a subida era absurdamente inclinada, e prosseguiram.
Passado um tempo, avistaram em meio a uma poeira que tomava todo o espaço estreito da estrada, uma caminhonete em alta velocidade. Mariana e suas amigas se viram sem saída e atordoadas por um pavor nunca antes sentido que as deixou estáticas.
A caminhonete antiga e de vidros escuros se aproximou das meninas com a mesma velocidade com que seus corações batiam. E a medida que o vidro da janela do Ford ia baixando aparecia a figura rústica e castigada de um velho. Nesse instante as meninas respiraram aliviadas pois naquele reconheceram o senhor Ananias, o dono da padaria mais famosa da cidade.
— O que vocês fazem aqui meninas? Não sabem que é perigoso andarem sozinhas por essas bandas.
Mariana ainda com a sensação de alívio que tomou conta de seu corpo pequenino respondeu com alegria:
— Só estávamos avistando a cidade do alto senhor Ananias.
E o velho, como uma espada impiedosa, lançou a pergunta que a fez sentir o arrepio de outrora.
— Seus pais sabem por onde andam?
Nesse momento, todas se olharam como querendo reafirmar o pacto realizado no início da aventura. E Mariana, com toda firmeza de uma atriz de teatro respondeu.
— Claro que sim. E já estamos voltando, pois a mãe da Lilí disse para não demorarmos, porque iria fazer um bolo de chocolate para comermos no lanche.
Com um olhar de desconfiança o velho fez sinal de adeus, fechou o vidro do carro e prosseguiu sua viagem. As meninas, persebendo que o dono da padaria havia reduzido a velocidade, certamente para confirmar a versão recebida, pedalaram de volta para a cidade. Somente quando adentraram nos limites da cidadizinha é que o velho retomou a velocidade normal.
As meninas seguiram para uma pracinha ao lado da casa de Lilí onde puderam se recuperar do susto. Passaram vários dias receosas de que o velho Ananias pudesse comentar o acontecido com alguém ou pior com seus pais.
Mas o que elas jamais imaginariam é que o menino que ainda habita a alma daquele senhor de cabelos grisalhos, naquele dia, sentiu uma inveja e uma grande admiração por aquele grupo de meninas e principalmente por Mariana que se mostrou tão segura de sí. Pois elas estavam fazendo o que ele, que também nasceu e passou sua infância naquela cidadizinha, sempre teve vontade de fazer, mas nunca teve coragem — explorar um mundo cheio de aventuras. Naquele momento, o velho se viu com sete anos de idade novamente pedalando sua bicicleta verde bandeira.
Desde então, toda vez que as meninas se cruzavam com o velho Ananias em seus olhos surgia o medo da delação e em contrapartida nos olhos dele surgia o desejo de saber se as meninas já haviam conseguido adentrar naquele mundo tão sonhado por ele. Embora tenham adiado a busca pelo desconhecido, todos os dias, as meninas formulavam planos infalíveis que mais cedo ou mais tarde as levariam à Terra do Nunca.